Na plenitude do vôo solitário
eu gozava de plena liberdade.
Eu era dono de mim antes de encontrar o amor.
Mas amar não é somente seguir o instinto:
amar é um dever do homem!
E eu tinha que amar
porque já o mundo era-me insuficiente
para preencher tamanhas lacunas:
as estradas, as estrelas, as coisas de então.
Como um dia que nasce de dentro de outro dia
nasceram-me os rumores do amor,
sua poderosa e invisÃvel matéria
capaz de prender-me nas malhas da servidão:
– Porque amar é mutilar as próprias asas!
Escalando as esferas do tempo
o amor cravou suas profundas raÃzes no meu
coração.
Nascias, ser amado,
desde os primevos raios de sol do dia,
como uma brisa fresca e matinal,
alegremente despertando os passarinhos no quintal.
Deste jeito nascias, pertinente criatura
cruzando meu destino com olhares furtivos,
tecendo as vias com suave candura.
Teu nascer maturando
em mim um sentimento ainda maior!
Tua sombra sedutora deslizando
serenamente sobre a solidão da minha pátria,
firme no propósito
de inaugurar-me para uma nova estação.
Pleiteavas o amor às margens do abismo.
Eu vagava ao léu, num céu etéreo,
buscava em teus lábios a doçura do mel!
E procurava no horizonte algum sinal,
um chamado, um sonido!
Nascias para matar minha fome:
hóstia de árvore de milagres,
singela polpa de fruta doce e perfumada;
germinando em meu ventre
a raiz de uma planta luminosa.
Brotavas como brotam as fontes
de águas translúcidas, das fendas das pedras,
para saciar a sede da loucura:
– Porque o amor é um vinho
que embriaga todos os sentidos!
Pura realidade saÃda dos sonhos,
diluÃda essência primaveril,
floração da abstrata esperança!
Saias de mim por todos os poros,
ias materializando-te nitidamente ante meus olhos,
ainda que na imperfeita miragem
dalgum deserto mental,
ainda que na secreta incerteza da vibração do ar
em silêncios de esperas.
Com suavidade nos movimentos,
num rodopio alucinado,
com argúcias, minúcias,
vieste para domar o tempo que a tudo desfigura.
Vieste para ser a servil mandatária,
presidiária de um coração livre para amar!
Fragmentada silhueta,
ruflar de asas da alma.
Adorno de todas as delÃcias.
Vieste à tona por todas as portas,
todos os portos, todas as partes.
E eu sentia uma estranha euforia,
um fel adocicado em minha boca,
uma espécie de triste alegria.
Foste de um todo em minha vida:
ar integral, veia carnÃvora.
Vieste para ser a paz
que tira o sono nas madrugadas.
Escrevi estas elegias para falar do amor e seus meandros. O mesmo “amor que move o sol e as demais estrelas†* Assoma-se a estas, minha própria experiência e tudo aquilo que pude refletir acerca desta emoção através da literatura e das observações cotidianas dos seres irremediavelmente apaixonados em algum momento de suas vidas.
Escrevi sobre a doce alegria de amar e ser amado, sobre a juventude arrebatada pelo fogo alucinado do amor, sobre a força e a maturação deste sentimento e sobre a frustração de um amor que chega ao fim, mas que também é capaz de preparar a alma para uma nova etapa da vida.
Escrevi para aqueles que amam, amaram, foram ou são amados; para aqueles que perderam um amor, mas souberam reinventar-se para renascer das cinzas de um amor consumado e consumido pela passagem implacável do tempo.
Escrevi para todos aqueles que não desistiram de amar!
* Dante Alighieri
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