“O poeta boêmio, procurando
uma estrela nos bolsos â€
( Zuleika dos Reis )
Vem comigo Bento,
ressurgir da carne fria,
reviver a poesia,
sangrar o coração.
Vem reandar
pelas calçadas, de madrugada,
trocar a noite pelo dia,
trocar teus livros celacantos
por chopes, na marejada;
Esperar que o sol reapareça
lá pelos molhes da Atalaia,
e doure toda a praia.
Vamos reacender a luz
da antiga boemia,
fazer a vida valer a pena.
Passarinho é um bicho ecológico
tão lógico de não fazer sentido.
Movimenta-se pelo mundo
Sem queimar óleo combustÃvel.
Semeia mais árvores na mata
do que faz um homem instruÃdo.
Só constrói ninho
de palhas e gravetos reciclados.
Passarinho é mesmo um ser
bem sabido de incrÃvel.
Além disso, ainda voa!
Além disso, ainda canta o danadinho!
Quando eu morrer,
se puder volver a viver,
quero ser apenas passarinho!
Ria pouco, lia números,
era louco pelas cifras,
perdido que andava entre
cédulas & cálculos.
Vagava a terra sáfara
do seu vÃcio usurário,
trancafiava armários,
decifrava safras.
Não abraçava os filhos,
chaveou o próprio coração
entre sagradas escrituras,
hipotecas, promissórias.
Teve ilusões de mais,
emoções de menos.
Tentou poupar a vida,
que não poupa ninguém!
A lÃngua solta,
dando úmidas voltas
pelos lábios.
A lábia
da retórica
dos sábios de Sião.
A lÃngua tesa,
presa ao céu
da boca.
Pelas bordas
dum copo de vinho,
a lÃngua abrindo
caminho,
obrando,
lambendo pelos,
peles, pernas,
libidinosas
cavernas.
Um milhão de noites
e tu não findas.
Um milhão de contos
de estórias lindas.
Um milhão de coisas
e eu te ouvindo ainda.
Ao cair da tarde daquele dia, deitado no sofá do apartamento, no segundo piso, ao término daquele tenebroso mês de novembro de 2008, eu era mais um flagelado da grande enchente que se abatera sobre Itajaà e região.
Alojado no bairro São João, na Rua Pedro Rangel, amparado em lar alheio, sem pertence algum, eu esperava impacientemente que o nÃvel das águas das chuvas baixasse e eu pudesse finalmente retornar para casa; para poder limpá-la, ver o que pudesse ser “salvoâ€.
Sem ter o que fazer naquele momento de longa espera, apanhei um caderno e uma caneta na intenção de escrever alguns versos. Foi neste exato momento que vi passar pela rua uma Kombi aberta, com várias pessoas a bordo da carroceria, o que não é permito por lei.
Imediatamente lembrei-me do Bento Nascimento, falecido e conhecido poeta desta cidade. Cheguei a conhecê-lo, visto que era amigo e freqüentador da casa de meus primos. A conotação desta lembrança era a seguinte: este mesmo poeta, em 1993, teve sua vida interrompida de maneira trágica, ao cair de cima de uma carroceria, numa situação idêntica a aquela que eu acabara de presenciar, numa rua transversal a qual eu estava instalado.
Tal lembrança, motivada pela esfera da coincidência, levou-me a escrever parte dos versos que se seguem neste livro, em que o tenho como um calado interlocutor. Assim como Dante evocou e seguiu VirgÃlio, em sua divina comédia, para irem os dois em busca da sua amada, até o paraÃso, evoquei a memória deste nosso poeta, para acompanhar-me nesta pequena aventura poética, por terras imaginárias e verossÃmeis.
É para ele e para quem mais quiser ouvir, ou ler, se preferirem, que escrevi estas confidências, questionamentos, divagações, vivências e demais sentimentos, tudo o que pode sentir ou querer um poeta no exercÃcio da palavra, desta vida interior que pulsa e arrebenta, que arrebata, escorre, esbarra, suspira por luz.
Vão ai nestas páginas sobras e sombras de mim, algo que não sei como é, mas que sinto existir, latente, latejante, nevoento, todas as coisas que compõem o delÃrio e o êxtase do viver poético!
Deixe um comentário